O "superstar" Al Gore ainda pode se candidatar à presidência?Marc PitzkeA notícia de que Al Gore ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2007 aumentou as especulações de que o superstar político e ícone da mudança climática concorrerá novamente à presidência dos EUA. Mas, hoje principalmente, Gore é grande demais para as sujas intrigas eleitoreiras.
Para os ativistas, o Nobel quase obriga Gore a tentar novamente ganhar a Casa Branca
É agora ou nunca. Seus fãs, que ainda lamentam a derrota na eleição em 2000, têm esperado por esse dia há meses. "É como esperar o início da venda de ingressos para o Grateful Dead, naquela época", disse ao jornal "San Francisco Chronicle" um ativista da Califórnia do grupo America for Gore, um dos vários que pedem que ele se candidate à presidência.Para os ativistas, o Prêmio Nobel da Paz praticamente obriga o perdedor de 2000 a tentar novamente ganhar a Casa Branca. "A América e a Terra precisam de um herói já", os ativistas imploraram em uma carta aberta que assumiu a forma de um anúncio de página inteira na edição de quarta-feira do "New York Times". "Alguém que transcenda a política banal e traga esperança real para nosso país e para o mundo."Mas essa é exatamente a questão. Al Gore -quase presidente, ícone da mudança climática e agora vencedor do Prêmio Nobel- transcende a política. Ele fez isso durante muito tempo e agora certamente paira muito acima do pântano de uma campanha eleitoral, com suas guerras de lama, debates entediantes e populismo interiorano. Ele é de um calibre muito diferente: um estadista que nunca foi chefe de Estado.MetamorfoseEm sua última aparição diante de um grande público, Gore sentou-se alegremente no palco com o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, a presidente das Filipinas, Gloria Macapagal-Arroyo, e o arcebispo sul-africano Desmond Tutu, vencedor do Nobel da Paz em 1984. Uma pessoa assim não se submete mais a perguntas sobre sua posição em relação ao aborto ou quais impostos pretende cortar.Infelizmente, as esperanças de uma presidência Gore não se cumprirão -principalmente agora, quando Gore foi premiado por ter feito o "máximo ou o melhor trabalho para a fraternidade entre as nações", como dita o testamento de Alfred Nobel. É a resposta definitiva a sua derrota humilhante em 2000. Por mais que ele tenha se esforçado para negar com classe sua intenção de se candidatar, entrar na guerra de trincheiras de uma nova campanha presidencial seria um retrocesso.Gore é um mestre em trocar de pele: em apenas sete anos ele passou do perdedor da eleição do século a garoto-propaganda de uma nova Geração Verde.Ele se transformou de um orador pedante que irritava os eleitores com sua atitude de sabe-tudo para ser um homem de palco que foi ovacionado e até contou piadas, como se tivesse nascido no show business, quando ganhou recentemente o Oscar por seu documentário sobre mudança climática, "Uma Verdade Inconveniente", e um Emmy por seu canal de TV a cabo "Current". Sua reinvenção foi uma metamorfose política única."Distorcendo a ciência"Mas nem todo mundo vê as coisas desse modo. Era claro o teor do tema de um programa de entrevistas na Fox News, alinhada ao Partido Republicano: "Al Gore merece ganhar o prestigioso prêmio da paz?" A rede convidou o obrigatório homem do Greenpeace para o programa, mas também James Taylor, conhecido por negar a mudança climática, do ultraconservador Instituto Heartland."Ele distorce a ciência", disse Taylor, discutindo o ressurgimento de Al Gore como ativista ambiental. "Ele está levantando uma questão que não nos ameaça cientificamente, mas ameaça negar nosso padrão de vida aos nossos filhos e netos."Essas críticas, porém, não afetaram muito a popularidade de "Uma Verdade Inconveniente" nos EUA e no exterior. Nem a decisão de um tribunal britânico esta semana, afirmando que há imprecisões factuais no filme que Gore passou mais de um ano promovendo em todo o mundo. A decisão poderá exigir que as escolas que apresentarem o filme relativizem o que o tribunal descreveu como opiniões "unilaterais" de Gore. "O Julgamento Inconveniente de Al Gore", zombou a manchete do "Times" de Londres na cobertura do assunto. Mas isso não bastará para romper o halo que os discípulos de Gore vêem ao seu redor.Esses discípulos não se limitam mais às tropas eternamente insatisfeitas do Partido Democrata que o apoiaram na Flórida quando suas esperanças presidenciais morreram, primeiro no drama da apuração de Palm Beach e depois na Suprema Corte. As tropas que ainda hoje resmungam sobre a "eleição roubada". Gore, um dos feridos ambulantes, afastou-se da cena pública, deixou crescer a barba e iniciou sua reencarnação.No começo do verão de 2006, ele voltou barbeado e mais magro -e com "Uma Verdade Inconveniente" na bagagem. Em vez de lutar por votos, agora lutava contra a "emergência planetária" -era ao mesmo tempo uma cruzada e uma psicoterapia.Foi um Gore diferente, mais descontraído e engraçado, que surgiu à nossa frente. "Meu nome é Al Gore", era sua saudação habitual. "Eu ia ser o próximo presidente dos EUA." Ele lotou estádios mais depressa que Madonna e no processo conquistou um público totalmente novo e muito mais amplo.Gore tornou-se um farol de esperança para uma sociedade descontente. Ele conseguiu algo que apenas líderes mundiais aposentados conseguiram: superou a política e tornou-se um astro do rock metapolítico.PedidosHollywood embarcou no trem do clima. A mídia de celebridades o festejou como um "pin-up". Milhares de jovens conectados globalmente pelo Facebook o incluíram em suas listas de "amigos". Então ele lançou um manifesto eleitoral não-oficial -seu último livro, "The Assault on Reason" [O ataque à razão], em que dá seu veredicto sobre o sistema que causou seu fracasso, o presidente George W. Bush e seu próprio partido, fraco e sem idéias.Não admira que nesta insípida campanha eleitoral exista um anseio por uma voz como a dele, não manchada por lealdades, obrigações com lobistas e estrategistas de campanha. "Concorra, Al, concorra", pediu uma manchete da revista "Rolling Stone", a bíblia da geração MTV. Mais de 136 mil pessoas assinaram uma petição online por sua candidatura. Sua porta-voz, Kalee Kreider, teve de responder constantemente a esses pedidos: "Ele não tem planos ou intenções de disputar a presidência".Nem planos, nem desejo, nem o dinheiro, nem a logística necessários para desbancar a arqui-rival Hillary Clinton de sua posição como primeira colocada para a nomeação, apenas três meses antes do início das eleições primárias. Nas pesquisas internas do partido, Gore está apenas em quarto lugar, atrás de Clinton, Barack Obama e John Edwards. Mas há muito tempo ele ocupa uma posição grande demais para agora fazer o papel do perdedor.Por isso vai se contentar com o Nobel da Paz. Mas não há nada de mesquinho nisso. Afinal, ele é o único prêmio Nobel que também tem um Oscar e um Emmy.Jimmy Carter tem um Grammy (por seu audiolivro "Our Endangered Values") e Santana deu o nome de Nelson Mandela a uma canção. Al Gore tem um fã-clube que abrange todas as idades, gêneros e países. Ele é um sucesso global.E também é o candidato ideal -mas a quê?Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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Para os ativistas, o Nobel quase obriga Gore a tentar novamente ganhar a Casa Branca
É agora ou nunca. Seus fãs, que ainda lamentam a derrota na eleição em 2000, têm esperado por esse dia há meses. "É como esperar o início da venda de ingressos para o Grateful Dead, naquela época", disse ao jornal "San Francisco Chronicle" um ativista da Califórnia do grupo America for Gore, um dos vários que pedem que ele se candidate à presidência.Para os ativistas, o Prêmio Nobel da Paz praticamente obriga o perdedor de 2000 a tentar novamente ganhar a Casa Branca. "A América e a Terra precisam de um herói já", os ativistas imploraram em uma carta aberta que assumiu a forma de um anúncio de página inteira na edição de quarta-feira do "New York Times". "Alguém que transcenda a política banal e traga esperança real para nosso país e para o mundo."Mas essa é exatamente a questão. Al Gore -quase presidente, ícone da mudança climática e agora vencedor do Prêmio Nobel- transcende a política. Ele fez isso durante muito tempo e agora certamente paira muito acima do pântano de uma campanha eleitoral, com suas guerras de lama, debates entediantes e populismo interiorano. Ele é de um calibre muito diferente: um estadista que nunca foi chefe de Estado.MetamorfoseEm sua última aparição diante de um grande público, Gore sentou-se alegremente no palco com o presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, a presidente das Filipinas, Gloria Macapagal-Arroyo, e o arcebispo sul-africano Desmond Tutu, vencedor do Nobel da Paz em 1984. Uma pessoa assim não se submete mais a perguntas sobre sua posição em relação ao aborto ou quais impostos pretende cortar.Infelizmente, as esperanças de uma presidência Gore não se cumprirão -principalmente agora, quando Gore foi premiado por ter feito o "máximo ou o melhor trabalho para a fraternidade entre as nações", como dita o testamento de Alfred Nobel. É a resposta definitiva a sua derrota humilhante em 2000. Por mais que ele tenha se esforçado para negar com classe sua intenção de se candidatar, entrar na guerra de trincheiras de uma nova campanha presidencial seria um retrocesso.Gore é um mestre em trocar de pele: em apenas sete anos ele passou do perdedor da eleição do século a garoto-propaganda de uma nova Geração Verde.Ele se transformou de um orador pedante que irritava os eleitores com sua atitude de sabe-tudo para ser um homem de palco que foi ovacionado e até contou piadas, como se tivesse nascido no show business, quando ganhou recentemente o Oscar por seu documentário sobre mudança climática, "Uma Verdade Inconveniente", e um Emmy por seu canal de TV a cabo "Current". Sua reinvenção foi uma metamorfose política única."Distorcendo a ciência"Mas nem todo mundo vê as coisas desse modo. Era claro o teor do tema de um programa de entrevistas na Fox News, alinhada ao Partido Republicano: "Al Gore merece ganhar o prestigioso prêmio da paz?" A rede convidou o obrigatório homem do Greenpeace para o programa, mas também James Taylor, conhecido por negar a mudança climática, do ultraconservador Instituto Heartland."Ele distorce a ciência", disse Taylor, discutindo o ressurgimento de Al Gore como ativista ambiental. "Ele está levantando uma questão que não nos ameaça cientificamente, mas ameaça negar nosso padrão de vida aos nossos filhos e netos."Essas críticas, porém, não afetaram muito a popularidade de "Uma Verdade Inconveniente" nos EUA e no exterior. Nem a decisão de um tribunal britânico esta semana, afirmando que há imprecisões factuais no filme que Gore passou mais de um ano promovendo em todo o mundo. A decisão poderá exigir que as escolas que apresentarem o filme relativizem o que o tribunal descreveu como opiniões "unilaterais" de Gore. "O Julgamento Inconveniente de Al Gore", zombou a manchete do "Times" de Londres na cobertura do assunto. Mas isso não bastará para romper o halo que os discípulos de Gore vêem ao seu redor.Esses discípulos não se limitam mais às tropas eternamente insatisfeitas do Partido Democrata que o apoiaram na Flórida quando suas esperanças presidenciais morreram, primeiro no drama da apuração de Palm Beach e depois na Suprema Corte. As tropas que ainda hoje resmungam sobre a "eleição roubada". Gore, um dos feridos ambulantes, afastou-se da cena pública, deixou crescer a barba e iniciou sua reencarnação.No começo do verão de 2006, ele voltou barbeado e mais magro -e com "Uma Verdade Inconveniente" na bagagem. Em vez de lutar por votos, agora lutava contra a "emergência planetária" -era ao mesmo tempo uma cruzada e uma psicoterapia.Foi um Gore diferente, mais descontraído e engraçado, que surgiu à nossa frente. "Meu nome é Al Gore", era sua saudação habitual. "Eu ia ser o próximo presidente dos EUA." Ele lotou estádios mais depressa que Madonna e no processo conquistou um público totalmente novo e muito mais amplo.Gore tornou-se um farol de esperança para uma sociedade descontente. Ele conseguiu algo que apenas líderes mundiais aposentados conseguiram: superou a política e tornou-se um astro do rock metapolítico.PedidosHollywood embarcou no trem do clima. A mídia de celebridades o festejou como um "pin-up". Milhares de jovens conectados globalmente pelo Facebook o incluíram em suas listas de "amigos". Então ele lançou um manifesto eleitoral não-oficial -seu último livro, "The Assault on Reason" [O ataque à razão], em que dá seu veredicto sobre o sistema que causou seu fracasso, o presidente George W. Bush e seu próprio partido, fraco e sem idéias.Não admira que nesta insípida campanha eleitoral exista um anseio por uma voz como a dele, não manchada por lealdades, obrigações com lobistas e estrategistas de campanha. "Concorra, Al, concorra", pediu uma manchete da revista "Rolling Stone", a bíblia da geração MTV. Mais de 136 mil pessoas assinaram uma petição online por sua candidatura. Sua porta-voz, Kalee Kreider, teve de responder constantemente a esses pedidos: "Ele não tem planos ou intenções de disputar a presidência".Nem planos, nem desejo, nem o dinheiro, nem a logística necessários para desbancar a arqui-rival Hillary Clinton de sua posição como primeira colocada para a nomeação, apenas três meses antes do início das eleições primárias. Nas pesquisas internas do partido, Gore está apenas em quarto lugar, atrás de Clinton, Barack Obama e John Edwards. Mas há muito tempo ele ocupa uma posição grande demais para agora fazer o papel do perdedor.Por isso vai se contentar com o Nobel da Paz. Mas não há nada de mesquinho nisso. Afinal, ele é o único prêmio Nobel que também tem um Oscar e um Emmy.Jimmy Carter tem um Grammy (por seu audiolivro "Our Endangered Values") e Santana deu o nome de Nelson Mandela a uma canção. Al Gore tem um fã-clube que abrange todas as idades, gêneros e países. Ele é um sucesso global.E também é o candidato ideal -mas a quê?Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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