sábado, 13 de outubro de 2007

Bunkers da Segunda Guerra Mundial viram abrigos para a vida selvagem


Bunkers da Segunda Guerra Mundial viram abrigos para a vida selvagemDavid CrosslandEm Nettersheim, AlemanhaAtraídos pela calma dos ninhos de metralhadoras há muito abandonados, animais raros instalaram-se nas ruínas dos bunkers que compunham a Linha Siegfried, construída por Hitler para proteger a fronteira ocidental da Alemanha. Agora grupos de defesa da vida selvagem estão lutando para impedir que as autoridades destruam com tratores este gigantesco legado da era nazista.

Cerca de cem dos 2.000 bunkers na Alemanha já estão preservados por leis de proteção
A Linha Siegfried, uma rede de bunkers com 630 quilômetros de extensão, construída por Hitler em uma vã tentativa de proteger a sua fronteira ocidental de uma invasão aliada, está finalmente servindo a um propósito. Seis décadas após o final da Segunda Guerra Mundial ela tornou-se um abrigo tranqüilo para gatos selvagens, morcegos e uma variedade de outras espécies raras.Depois da guerra os aliados explodiram a maior parte dos mais de 18 mil bunkers que compunham a linha de defesa que os alemães chamavam de "Westwall". Desde então, a natureza conquistou as ruínas que agora estão cobertas de mato em campos e florestas do oeste da Alemanha, desde a fronteira com a Holanda até a Suíça.Essa relíquia da era nazista foi ignorada por sucessivos governos alemães até as décadas de 60 e 70, quando autoridades regionais começaram a ordenar a remoção dos restos de concreto para abrir espaço para obras de construção e para a agricultura, e também para evitar o pagamento de indenizações a andarilhos que se machucavam ao subir nas ruínas.Mas grupos de defesa da vida selvagem têm lutado para conter os tratores, e obtiveram algum sucesso, comprando bunkers individuais, fazendo acordos com prefeituras e conseguindo que as autoridades regionais suspendessem a destruição dessas estruturas, pelo menos temporariamente."Os bunkers transformaram-se em ilhas para a vida selvagem nos últimos 60 anos. Eles são um santuário para os animais", explicou a "Spiegel" Sebastian Schöne, especialista em vida selvagem da Bund, o braço alemão da organização não governamental Friends of Earth International. "Gatos selvagens ocupam os bunkers em maio para terem os seus filhotes, e também encontram nas ruínas abrigo durante o inverno, da mesma maneira que os ratos do campo, o que é muito conveniente para os gatos. A vida selvagem dos bunkers também atrai aves de rapina".Morcegos raros cochilam em ninhos de metralhadoraPelo menos dez tipos de morcegos -estritamente protegidos segundo leis internacionais de defesa da vida selvagem- se alojaram em diversos bunkers, incluindo os raros morcegos-orelha-de-rato e o morcegos-do-lago."Os morcegos alojam-se profundamente nas fissuras do concreto durante o ano todo; é um local excelente para eles", diz Markus Thies, especialista em morcegos da organização alemã de defesa da vida selvagem Nabu, que luta para salvar a Westwall há 20 anos."É difícil vê-los", diz Thies, que lidera uma equipe de dez entusiastas que dedicam o seu tempo livre à procura de morcegos nos bunkers, e a protegê-los com cercas para impedir que andarilhos os perturbem nas colinas de Eifel, no oeste da Alemanha.Raposas trotam tranqüilamente pelo concreto morno no verão, e os bunkers também proporcionam abrigo a aranhas e a uma grande variedade de insetos. Musgos e outros tipos de plantas prosperam no calcário que desce pelos muros.A Westwall - os aliados referiam-se a ela como Linha Siegfried - foi construída entre 1936 e 1940. Ela proporcionou emprego a milhares de trabalhadores, e a máquina de propaganda nazista divulgou a impressão errônea de que a Alemanha estava assegurando uma "fortificação impenetrável no oeste", conforme anunciado pelos jornais da época.Antes da guerra, propagandistas nazistas apresentavam a Westwall como uma prova de que as intenções da Alemanha eram puramente defensivas. Depois que a luta começou, o seu objetivo foi proteger o flanco ocidental da Alemanha enquanto Hitler buscava "Lebensraum" ("espaço vital") no leste.Luta acirradaOs bunkers não desempenharam um papel militar até os desembarques aliados na Normandia, em 1944. As tropas norte-americanas que avançavam encontraram uma feroz resistência nos vales estreitos da floresta Huertgenwald, perto de Aachen, no final de 1944, em combates que custaram a vida de cerca de 35 mil soldados dos Estados Unidos, e de 12 mil a 15 mil defensores alemães.A Westwall tornou-se também uma área de preparação para as forças alemãs antes da Batalha de Bulge, a última grande ofensiva de Hitler durante a guerra. Apesar de toda a propaganda, os bunkers foram de forma geral irrelevantes como obstáculo nos últimos meses da guerra, devido à superioridade aérea dos aliados. Na verdade, eles transformaram-se em armadilhas mortais para muitos soldados alemães, já que as suas paredes freqüentemente não suportavam os bombardeios.Em uma iniciativa para preservar os bunkers, o grupo Bund uniu forças a agências regionais de conservação de monumentos que argumentam que vale a pena preservar a Linha Siegfried devido à sua importância histórica.Cerca de cem dos aproximadamente 2.000 bunkers no Estado da Renânia do Norte-Vestfália já estão preservados por leis de proteção a monumentos, e os historiadores locais organizam visitas a alguns deles.Há milhares de outros bunkers nos outros Estados alemães cortados pela Westwall - Renânia-Palatinado, Baden-Württemberg e Saarland. Até agora, os esforços para a preservação dos bunkers naqueles Estados têm ocorrido com base em iniciativas regionais, e não houve nenhuma abordagem de âmbito nacional.Lobby de sucessoPorém, Schöne afirma que o lobby está começando a fazer efeito no governo federal em Berlim. O Ministério de Finanças da Alemanha, que é dono dos bunkers por ser o proprietário legal de todos os antigos imóveis nazistas, deverá prorrogar um adiamento da demolição da Westwall decretado em 2004."O governo federal está sentindo a pressão", disse ele a "Spiegel". "Não se chega a um acordo com a história recorrendo a tratores de esteira"."Para nós tem sido difícil lidar com essa questão, já que na Alemanha as pessoas são imediatamente rotuladas de neo-nazistas caso digam qualquer coisa positiva sobre os bunkers. Somos acusados de trivializar a história ao chamarmos a instalação de "Muro Verde no Oeste". Mas não estamos afirmando que a Westwall seja uma coisa boa. Estamos apenas sendo pragmáticos".Schöne mostrou à equipe da "Spiegel" alguns bunkers em ruínas em uma colina coberta de floresta perto da cidade de Nettersheim, a sudoeste de Colônia. "Neste aqui vimos morcegos", disse ele, apontando para dentro de uma sala subterrânea cavernosa na qual vergalhões enferrujados sobressaem no teto. Infelizmente não havia morcegos visíveis no momento. Era dia, e eles provavelmente estavam dormindo.Schöne inspecionou pessoalmente 400 bunkers para verificar se havia vida selvagem neles, e redigiu um relatório sobre o valor dessas instalações como habitat natural. Ele recebeu uma verba de 200 mil euros para o projeto nos últimos dois anos, em sua maioria oriunda de fundos dos governos regionais, e disse que lhe garantiram verbalmente que o projeto receberá mais financiamento.Os gatos selvagens dão uma ajudaSchöne diz que a Bund comprou um bunker por 7.000 euros para garantir que ele não seria demolido. Os governos municipais também estão começando a participar, e a cidade vizinha de Euskirchen recentemente adquiriu seis bunkers que estavam destinados a remoção, ainda que fossem considerados habitats protegidos segundos as normas da União Européia."As autoridades locais descobriram que o potencial dos bunkers como atrações turísticas pode gerar dinheiro", afirma Schöne. Porém, é provável que a aliança entre conselhos locais de governo e grupos de proteção da vida selvagem revele-se difícil, já que os morcegos e os gatos selvagens não gostam das visitas dos turistas."Não queremos atrair um número demasiadamente grande de turistas", explica Schöne, que é a favor de que os visitantes sejam conduzidos a alguns bunkers selecionados que não contam com vida selvagem, ou que os passeios se restrinjam às estações durante as quais os bunkers estejam vazios.Em um caso recente, a própria vida selvagem se encarregou de fazer o lobby, com sucesso imediato."Recentemente algumas autoridades locais se reuniram para inspecionar um bunker a fim de verificar se valia a pena preservá-lo. Elas estavam quase indo embora quando viram dois gatos selvagens correndo das ruínas. Foi isso que salvou o bunker", conta Schöne.Tradução: UOL
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